Bloqueio judicial de valores
- Leandro Proença Meniconi
- 14 de jun.
- 5 min de leitura
Atualizado: 22 de jul.
O que você pode fazer quando sua conta é atingida pelo SISBAJUD
Resumo do artigo
O artigo aborda os principais aspectos jurídicos relacionados ao bloqueio de valores via SISBAJUD, explicando quando a medida é legítima, quais bens são impenhoráveis e quais instrumentos processuais podem ser utilizados para contestar bloqueios indevidos. Com base na legislação vigente e em precedentes do STJ, destaca-se a possibilidade de desbloqueio liminar e a importância de atuação jurídica estratégica na fase de execução.

Introdução
Imagine acordar e, ao tentar acessar sua conta bancária, descobrir que seus valores estão bloqueados por ordem judicial. Isso acontece com mais frequência do que se imagina e, muitas vezes, de forma inesperada e desproporcional. Neste artigo, explico de forma objetiva como funciona o bloqueio de valores via SISBAJUD, quais são os direitos do devedor e quais medidas podem ser adotadas para tentar reverter a situação.
O que é o SISBAJUD e por que ele bloqueia contas bancárias?
O SISBAJUD (Sistema de Busca de Ativos do Poder Judiciário) é uma ferramenta que conecta o Judiciário às instituições financeiras. Sua finalidade é permitir que ordens de bloqueio, desbloqueio e transferência de valores sejam cumpridas em tempo real.
Esse sistema substituiu o antigo BACENJUD e ampliou significativamente o alcance e a agilidade das ordens judiciais. Com ele, juízes conseguem localizar e bloquear saldos bancários automaticamente, em processos de cobrança, execução de sentença, alimentos, entre outros.
O bloqueio é sempre legal?
Nem sempre. Embora o juiz tenha poderes legais para determinar o bloqueio, ele deve obedecer a princípios constitucionais, como:
Proporcionalidade (art. 8º, CPC),
mínima onerosidade da execução (art. 805, CPC),
garantia do contraditório (art. 5º, incisos LIV e LV, da CF/88).
Na prática, não é raro que valores essenciais à subsistência — como salários, aposentadorias, pensões e outras verbas de natureza alimentar — acabem sendo atingidos. Há também casos de bloqueios excessivos ou de terceiros, que afrontam o disposto no art. 833 do CPC, que trata da impenhorabilidade de valores destinados à subsistência do devedor e sua família.
O que fazer ao identificar um bloqueio indevido?
O primeiro passo é verificar se há processo judicial em seu nome e, dentro dele, analisar:
A origem da dívida,
A existência de citação válida,
A justificativa do bloqueio,
E, principalmente, o valor bloqueado em relação ao valor da execução.
A partir dessa análise, podem ser adotadas medidas específicas, como:
1. Exceção de pré-executividade
A exceção de pré-executividade é um instrumento de defesa do executado que permite contestar o bloqueio judicial sem necessidade de penhora, caução ou qualquer outra forma de garantia do juízo. Ainda que não esteja prevista expressamente no Código de Processo Civil, seu uso é pacificado pela jurisprudência, especialmente em situações em que as matérias alegadas possam ser conhecidas de ofício e estejam comprovadas por prova documental inequívoca.
Conforme entendimento consolidado do Superior Tribunal de Justiça (Súmula 393 STJ), é possível utilizar essa via para alegar, por exemplo:
A inexistência de citação válida do executado;
A prescrição da dívida;
A excessividade do bloqueio, quando os valores atingidos superam o montante executado;
A impenhorabilidade dos valores bloqueados, como no caso de salários, aposentadorias e valores de natureza alimentar ( CPC, art. 833, incisos IV e X).
A exceção é especialmente útil em casos de bloqueio via SISBAJUD, pois viabiliza a defesa imediata sem necessidade de oferecer garantia patrimonial, o que protege o devedor de uma constrição indevida enquanto se discute o mérito da execução.
2. Impugnação ao cumprimento de sentença ou embargos à execução
Quando o processo executivo já está garantido — seja por penhora, caução, depósito judicial ou bloqueio efetivado —, a defesa do executado pode ser apresentada por meio de:
Essas modalidades de defesa oferecem um leque mais amplo de alegações, inclusive com a possibilidade de produção de provas, e são o meio processual adequado para discutir aspectos materiais e formais da execução, tais como:
O valor efetivamente devido, em razão de pagamentos parciais, encargos ilegais ou valores já quitados;
A aplicação incorreta de juros, correção monetária ou multas;
Cláusulas abusivas, compensações ignoradas ou outras distorções no cálculo apresentado pela parte exequente.
Nos termos do art. 525, § 1º, do CPC, a impugnação pode versar sobre inexequibilidade do título, inexigibilidade da obrigação, excesso de execução, entre outros fundamentos. Já nos embargos à execução, previstos no art. 917 do CPC, o executado pode sustentar qualquer matéria que lhe seria lícito deduzir como defesa no processo de conhecimento.
Trata-se, portanto, de vias indispensáveis para garantir o contraditório e a ampla defesa, especialmente quando a constrição judicial atinge valores expressivos ou há controvérsia quanto à própria liquidez e exigibilidade da dívida.
É possível desbloquear rapidamente?
Sim. Quando o bloqueio recai sobre valores legalmente impenhoráveis ou excede o montante efetivamente devido, é possível apresentar pedido de desbloqueio com urgência, requerendo apreciação liminar pelo juízo competente. Nesses casos, a petição deve demonstrar, com base documental, a ilegalidade, excesso ou desproporcionalidade da medida constritiva, nos termos do art. 300 do Código de Processo Civil (tutela de urgência).
A jurisprudência tem reconhecido, de forma reiterada, a necessidade de reversão imediata de bloqueios que:
atinjam valores protegidos por lei, como salários, aposentadorias e quantias de natureza alimentar (CPC, art. 833, IV e X);
afetem contas bancárias com valores inferiores a 40 salários mínimos, hipótese que enseja presunção de impenhorabilidade.
Exemplo disso é o seguinte precedente do Superior Tribunal de Justiça:
“AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. BLOQUEIO DE ATIVOS FINANCEIROS NA CONTA-CORRENTE. MONTANTE INFERIOR A 40 (QUARENTA) SALÁRIOS MÍNIMOS. IMPENHORABILIDADE PRESUMIDA. PRECEDENTES. AGRAVO INTERNO IMPROVIDO. [...] 1. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça manifesta-se no sentido de que são impenhoráveis todos os valores pertencentes ao devedor, até o limite de 40 (quarenta) salários mínimos, mantidos em conta-corrente, caderneta de poupança ou fundos de investimentos. [...] 3. Agravo interno improvido.”
(STJ - AgInt no AREsp 2.560.876/SP, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, 3ª Turma, j. 12/08/2024, DJe 15/08/2024)
No caso citado, a Corte reafirma o entendimento de que valores inferiores a 40 salários mínimos gozam de presunção legal de impenhorabilidade, ainda que mantidos em conta-corrente, e independentemente de comprovação de origem. Bloqueios automáticos sobre esses valores tendem a ser considerados ilegais, salvo em hipóteses excepcionais, como execuções de alimentos ou quando comprovada fraude ou má-fé processual.
Portanto, quando bem instruída e fundamentada, a petição de desbloqueio judicial apresenta alta chance de êxito, especialmente nas hipóteses de violação às garantias processuais e patrimoniais do executado.
Conclusão
O bloqueio judicial de valores, embora alarmante, não representa uma situação irreversível. Com a análise criteriosa do processo e a utilização da medida jurídica adequada — seja por meio de exceção de pré-executividade, impugnação ou pedido liminar fundamentado —, é plenamente possível reverter a constrição e resguardar o patrimônio do executado, especialmente quando há ilegalidade, excesso ou violação às garantias legais.
Em matéria de execução, o tempo é um fator crítico. Medidas bem estruturadas e tempestivas podem evitar danos irreparáveis, sobretudo quando estão em jogo recursos essenciais à subsistência pessoal ou à continuidade de uma atividade empresarial.
Artigo publicado no Jusbrasil!
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